Quando me tornei invisível
Quando murcharam as certezas?
Quando esfriou o colo?
Quando esvaiu-se a segurança?
Quando calou-se a alegria?
Quando o leite mirrou?
Quando abriram a janela
E o vento não havia levado
As angústias
As tristezas
As mágoas
A doença
Os ais
O urro
A dor?
Quando o mistério desnudou-se
E o abismo
E a ponte
E o muro
Surgiram
Extirpando nossas cabeças
E não mais éramos siameses?
Quando caíram as máscaras
Queimaram os véus
Mancharam de sangue o meu edredom?
Quando do açúcar
Fez-se fel
E do verbo
Ofensa?
Quando do cuspe
Nasceu o nojo
E das pernas abertas
A lascívia?
Quando o corpo
Virou objeto
E o desejo abjeto?
Quando o doce
Virou veneno?
Quando a fantasia
Virou loucura?
Quando a ânsia
Virou fúria?
Eu dormia
Enquanto
As florestas eram queimadas
Eu dormia
Enquanto minha avó
Perdia a lucidez
Eu dormia
Enquanto meu sobrinho
Perdia a inocência
Estava entorpecido
Para não me responsabilizar
Estava emudecido
Para que não me notassem
Afogava-me em uma xícara de café
Do fogo do isqueiro
Fazia-me cinzas
Jazia a fim
De não ver
E como um castigo
Pela minha omissão
Acordei banhado de urina
Trêmulo
E para o meu horror
Estava desnudo em praça pública
Sem ninguém me enxergar
Meu desejo de ser notado
Espalhava-se feito metástase
Pelas minhas células
Um desejo mudo
Pois gritava e ninguém me ouvia
Impotente tentei voltar para casa
Mas não encontrei o caminho
Trocaram os nomes das ruas
Mudaram os trajetos
Estava perdido
Sentado sobre o asfalto
Fui trespassado pelo caminhão, mas
Meu corpo não era mais sólido
Antes o inferno que este
Vagar solitário e frio
Antes a chama que queima
Antes os gritos de horror
Do que este vácuo
Antes um tapa em meu rosto
Do que nenhum toque
Vaguei
Fantasma
Assombrado
Condenado
À solidão
Sem fim
Condenado
Ao castigo da invisibilidade
Sem esperança
Um grito
Inaudível
Um espanto
Sem susto
Por que não sinto culpa
Para compreender este castigo?
Que deus eu
Não cultuei?
Eu que apenas dormia
Eu que apenas...
Eu que...
Eu...
E...
#PraCegoVer #PraTodosVerem vídeo de Rafael recitando o poema "Quando me tornei invisível" em um ambiente interno como uma casa. Ele aparece em primeiro plano, olhando pra frente, com camiseta azul royal de gola careca, óculos no estilo borboleta com armação preta e transparente. Rafael tem pele branca, olhos levemente puxados e escuros, cabelo castanho escuro liso e curto, barba discreta. Atrás dele há uma parede branca e uma porta de madeira escura. Fim da descrição. (Legenda acessível por Bia Palumbo)
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